Tenho uma língua na boca
e outra nos ouvidos
No meio fica
a confusão
o engano
a raiva
o medo
a impotência
a submissão
a incerteza
a saudade
a caneta amortecedora
o ódio
a faca
o desassossego
a luta
o render-se
o nunca se render
a morte
o inimigo
a entranha estéril
a perda dos herdeiros
No meio... ai, no meio !
por vezes o desespero
a procura
a frustração
a embriaguez
a auto-anestesia
a auto-mutilação
a dúvida
a certeza da dúvida
sim, da dúvida semeada em terra própria
por mão alheia
no meio os funerais
nos que se enterram
palavras vivas
estando ainda quente nosso alento
palavras que gritam
que pedem ajuda
a esta minha torpe mão
de guerreiro inútil
Sim, tenho uma língua na boca
e outra nos ouvidos
uma me liberta
a outra me invade
uma para cantar a dor de tanta morte
a outra a assassina.
Concha Rousia nasceu em 1962 em Covas, uma pequena aldeia no sul da Galiza. É psicoterapeuta na comarca de Compostela. No 2004 ganhou o Prémio de Narrativa do Concelho de Marim. Tem publicado poemas e relatos em diversas revistas galegas como Agália ou A Folha da Fouce. Fez parte da equipa fundadora da revista cultural "A Regueifa". Colabora em diversos jornais galegos. O seu primeiro romance As sete fontes, foi publicado em formato e-book pola editora digital portuguesa ArcosOnline. Recentemente, em 2006, ganhou o Certame Literário Feminista do Condado. »