Num artigo anterior a este falava eu de como tudo que é galego tem necessariamente que ser espanhol; agora venho de dar um passo mais à frente na minha hipótese, e logo de ter feito umas observações que vou partilhar aqui, afirmo que a relação espanhol-galego é muito mais complexa do que eu tinha antecipado e que hoje posso afirmar que... “tudo o que é espanhol é, ou é susceptível de ser, galego” .
Já o afirmava a famosa frase da Galicia Vil “el castellano es tan gallego como el gallego”
Bom, as minhas observações começaram um dia que eu passava por diante duma televisão na que se estava a ver uma série chamada “Padre Casares”. Logo de observar que nem os padres nem os que faziam de gente na série tinham nenhum feitio que eu pudesse identificar como da nossa cultura... mais bem tudo me parecia uma cópia de qualquer outra cousa... fui informada pola minha filha de que a tal série tinha arrancado com os moços do lugar a querer botar um porco (referindo-se a um dos do cortelho, e não a um de duas pernas, como muitos puderam estar a pensar) do campanário em baixo, e com o cura a o evitar...
A mim lembrou-me o porquinho de São António, que ia de porta em porta com um chocalho e cada dia seu vizinho lhe botava de comer... até que estava cevado e então o senhor cura chapava-o... Bom, pois até esse dia, o dia da tal série da TVG, esse de São António era o único porco, dos do cortelho vá, que eu tinha relacionado com a Igreja...
O assunto do campanário também me lembrou ter ouvido que lá na profunda Espanha castelhana há um lugar onde diz que tiram uma cabrita dum campanário em baixo, não sei bem para celebrar que cousa. Eu então compreendi que a tal série da TVG estava a trabalhar no projecto que eu chamo “cultural global” que consiste em conseguir que tudo aquilo que é espanhol seja também galego; e nessa série se demostra que o trabalho se pode fazer não só para o futuro, que parece bem mais fácil, senão que também para o próprio passado... se algo foi espanhol, tem necessariamente que poder ter sido galego...
Se, passados os primeiros escrúpulos, somos capazes de aceitar que nalguma aldeia das nossas alguma vez se pôde ter botado a um bichinho de um campanário em baixo, estaremos mais cerca dessa transformação total... alguns passos já se levam dado nesta direcção... e eu não vou mencionar aqui o que todos bem sabemos e nos está a bater nas ventas mesmo.
E já agora tenho que falar de Pol Pot, que surpreendentemente também aparece numa série da tal TVG, e esse sim que também não é porco nosso, nem mesmo é de muita conhecia. O porco de aqui, o único porco, que até teria pontuado bem alto no “galegómetro” é um que nascera em Ferrol de Si Mesmo, e que por acaso, por ser galego demais, ou tirano demais, não é incluído na série essa das quintas-feiras onde botam o clube dos ditadores infames.
Pois sim, assim é como está tendo lugar a transformação de tudo... e quando algo é galego demais e por tanto com dificuldades para caber dentro da Espanha, pois se elimina e prontos. Por exemplo, os actores que façam de galegos não devem ser (de poder-se evitar) galego-falantes, porque têm demasiado sotaque (apague-me aí ese seseo, hombre de dios, que se le nota a las leguas que es usted de la Cuesta de la Muerte)... Ou como um amigo meu de Lugo que também tem sido mal mirado às vezes na TVG por ter um jeito de falar que parece mais galego do necessário...
Mas tudo isto não foi inventado pola TVG, eles adoptaram esse estilo mas eles não o inventaram; não, isto já vem dos anos dourados de Hollywood, daqueles clássicos onde os índios também não serviam para fazer de índios, e usavam actores brancos tingidos, ou por vezes botavam mão dos mexicanos que dissimulavam algo melhor a cor.
E isto que eu vinha observando desde há algum tempo foi-me confirmado definitivamente polos últimos acontecidos que envolvem a Real Academia Galega e o nome do nosso país; que por ser Galiza um chisco galego demais, e portanto ter dificuldades para poder ser visto como espanhol, pois se reverte o processo e já está; se faz o espanhol ser galego e assunto ressolto... isto é como o conto de Mahoma e montanha.
Depois de assumido isto “Galicia” é tão galega (até haveria que dizer “gallega” para manter a coerência, não é?) como “Galiza”, que diria o outro; e com isso a RAG põe a “puntilla”, que já agora devo dizer que aqui não vai em referência àquelas pontilhas de encaixe com as que nossas mães nos tapavam a cara quando crianças para correr o entroido o dia da mascarada... não, não é isso, isso era antes, foram tempos... aqui “puntilla” refere-se a uma cousa afiada tipo faca pequeneira com a que nesses lugares da Espanha profunda, por ai por onde atiram animais dos campanários em baixo, espetam na cabeça a algum animal nalgum de seus rituais, e é bom nós irmos-nos acostumando a esse instrumentinho, pois algum dia, como tudo, por força, terá de ser galego.
Concha Rousia nasceu em 1962 em Covas, uma pequena aldeia no sul da Galiza. É psicoterapeuta na comarca de Compostela. No 2004 ganhou o Prémio de Narrativa do Concelho de Marim. Tem publicado poemas e relatos em diversas revistas galegas como Agália ou A Folha da Fouce. Fez parte da equipa fundadora da revista cultural "A Regueifa". Colabora em diversos jornais galegos. O seu primeiro romance As sete fontes, foi publicado em formato e-book pola editora digital portuguesa ArcosOnline. Recentemente, em 2006, ganhou o Certame Literário Feminista do Condado. »