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Concha Rousia

Lisboa e as nossas palavras...

18:30 23/03/2009

As palavras, como os pássaros, voam sobre as fronteiras políticas.
Castelao   

- Mãe, para onde é que vão as palavras que eu falo...?
- Vão para onde o vento as quiser levar...
- E se eu não quero?
- Então terás que fechar a boca...

Lembro que de pequenos gostávamos de brincar a tentar falar sem abrir a boca, uns pegávamos com as duas mãos nos beiços que os outros colocavam fazendo o bico, para impedir que as palavras fugissem fora, mas fazia-se difícil compreender o que assim se tentava dizer.

Outra forma de brincar com as nossas palavras consistia em que uma pessoa, que permanecia com os olhos fechados enquanto outra desenhava letras com um pauzinho, ou com a ponta do índice, no seu braço, adivinhasse o que na sua pele se acabava de ‘escrever’...

Tudo para tentar burlar o vento que sabíamos queria levar as nossas palavras. Particularmente preocupante era aquele que soprava do Leste deitando sobre nós um bafo quente infestado de palavras alheias enquanto as nossas iam sendo empurradas a caminho do oceano Atlântico... Desacougante imaginar as palavras a aboiar assim polo mar fora... Esse mesmo mar que nós sabíamos em Lisboa mantinha a capacidade de se converter em papas... Lisboa era uma das palavras que a cotio aparecia nas nossas falas infantis... nos nossos jogos, nas nossas cantigas... (Voa joaninha voa que o teu pai vai em Lisboa e vai-che trazer um pão e uma broa...) o que não chegara eu nunca imaginar era que um dia Lisboa deixaria de ser apenas uma simples palavra para se converter no ouvido ao que eu ir contar as nossas outras palavras, as que ainda não foram ouvidas lá...

Fomos a Lisboa um grupo de quatro pessoas, Issac Alonso Estraviz, Ângelo Cristovão, António Gil, e eu. Desta vez para burlar o vento levávamos as nossas palavras escritas em brochura e pen-drive. A nossa primeira visita foi ao MIL (Movimento Internacional Lusófono) na Fundação Agostinho da Silva; a conversa demorou bem duas horas boas, ninguém, nem eles nem nós, se queria despedir daquele encontro.

O dia a seguir, às onze da manhã, dirigimo-nos à Academia das Ciências de Lisboa (ACL); era a primeira vez, desde a criação da Academia Galega da Língua Portuguesa (AGLP) da que todos somos membros, que a visitávamos. Foi esta a primeira visita oficial da AGLP. A reunião foi enriquecedora tanto para uns como para os outros e todos ficamos muito satisfeitos.

O jantar posterior, embora que de elegante etiqueta, transcorreu num ambiente descontraído e muito amigável, era impossível não se sentir à vontade. Dos brindes tenho que destacar as palavras do Senhor Arantes e Oliveira que manifestou sua honra por ser ele o Presidente da Academia das Ciências de Lisboa na altura em que este acontecimento histórico, no que se incorporam os particularismos da Galiza ao corpo comum da nossa língua, está a ter lugar. As suas palavras, o jeito de as comunicar, e o brilho nos seus olhos enquanto as falou, mostravam que eram verdadeiramente sentidas, e com elas nos reconhecia como irmãos de Língua.

A seguir da sobremesa e os brindes, com porto servido nuns copinhos pequenos, muito diferentes dos que estão na moda na actualidade e idênticos aos que havia na minha casa quando eu era miúda... visitamos, acompanhados polos académicos, as magnificas instalações da ACL, entre as que quero salientar as bibliotecas, e a sala de sessões, onde ainda se conservam as primeiras cadeiras numeradas. Na tardinha, logo de regressarmos ao hotel, fomos visitados por amigos que nos convidaram logo a cear, o que pôs o broche final a um dia para nunca esquecer.

A manhã a seguir visitamos a Associação de Professores de Português (APP). Paulo Feytor, o que alguns de nós já tínhamos o privilégio de conhecer, recebeu-nos com as palavras ‘Bem-vindos a esta sua casa’. De tarde visitamos a Fundação Mário Soares onde o Ex-Presidente da República nos aguardava; logo de mais de uma hora com este extraordinário conversador, visitamos as dependências da Fundação nos seus dous prédios que olham em frente o Palácio de São Bento da Assembleia da República. A fundação, na que umas 15 pessoas trabalham diariamente, conta com uns arquivos digitalizados que a todos nós impressionaram.

Essa mesma noite regressamos à Galiza, a mim o caminho pareceu-me mais curto do que noutras passadas visitas a Lisboa; talvez porque sabemos que a cada vez vamos deixando lá mais amigos, com os que desde já, contar, não só na ACL, mas também no MIL e na APP, é não só; ou também talvez porque hoje foi um dia muito feliz para todos e todas nós, para mim significa ter conseguido finalmente vencer o feroz vento do Leste que ameaçava as nossas palavras...

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Concha Rousia

Concha Rousia nasceu em 1962 em Covas, uma pequena aldeia no sul da Galiza. É psicoterapeuta na comarca de Compostela. No 2004 ganhou o Prémio de Narrativa do Concelho de Marim. Tem publicado poemas e relatos em diversas revistas galegas como Agália ou A Folha da Fouce. Fez parte da equipa fundadora da revista cultural "A Regueifa". Colabora em diversos jornais galegos. O seu primeiro romance As sete fontes, foi publicado em formato e-book pola editora digital portuguesa ArcosOnline. Recentemente, em 2006, ganhou o Certame Literário Feminista do Condado. »



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