Viver no outono tanto tempo como levamos vivido na Galiza, logo de que a nossa língua florescera, não é tarefa fácil. A nossa língua florescera e fora cantada por Martim Codax, Joam Airas,..., os poetas sempre sabem reconhecer a primavera, como devem também saber cantar suas cantigas outonais quando esta não chega. Eis aí o diferentes que são esses cantos, dá para entender a densidade e profundeza que tem a poesia galega contemporânea.
O outono é intenso, o outono é como saber acreditar na primavera sem a ver, é senti-la crescer por dentro e não achar lugar para fazer furar as flores no veludo fechado da terra, é não poder mandar cantar os passarinhos... Poucos povos como o nosso sabem o que é ter que levar tantos anos a primavera dentro com a esperança de que um dia finalmente floresça... Esse dia os poetas galegos poderão cantar ás flores, agora sabem bem que não podem; mesmo que sempre haja algum que o faça, como denunciava o saudoso Suso Vaamonde. As nossas líricas falam de luta, de des-dignidade, de batalhas perpétuas, de carvalhos robustos e de arados a sulcar os cadernos para que o deserto não nos vença, o deserto ou as más ervas.
A nossa língua teve uma das mais ricas primaveras, como diziam os provençais, o galego, junto com o provençal, o francês, o toscano e o siciliano eram as únicas línguas que serviam para trovar. Desalentador é saber que da semente do verão que seguiu a essa frutífera primavera não se tem plantado na nossa terra. A Galiza foi logo replantada com ervas forâneas em mãos de clérigos, nobres de nome, e outras personagens indignas, e teve que reter dentro de si mesma a pujança que sabe alberga nela. Sábia Terra como ela é parou o tempo, mesmo indo contra o ciclo natural, e ficou ancorada no outono. Nosso ser se fez saudoso dessa primavera, sempre a ver as palavras tal que folhas a caminho dum chão no que não poderão prender; caem num terreno no que está proibido cultivá-las. Mas no outono, mesmo a gente não querendo, se pressente o inverno... um inverno que em 2009 sem dúvida alcançará o seu caroal, e daí para a frente não terá mais remédio do que ir abrandando... Pressinto que depois deste inverno, que não vai matar mais que aos que já estejam meio mortos, voltará e se imporá a primavera.
Embora impor não é a palavra para referirmo-nos ao que é natural, como não o é para definir a defesa do uso duma língua no seu território. Falar de imposição do galego na Galiza (ou do castelhano em Castela, tanto faz) é como falar de impor às árvores botar folhas, ou impor aos rios fluírem para o mar, impor às rãs pular, ao cuco cantar e ao amanhecer clarear...
Então por que se fala em necedade tal? Eu acho que é uma estratégia de distração, imitando a da paspalhás quando simula coxear para levar a todo o mundo longe do seu ninho. Distraem-nos para que reparemos apenas naquilo no que eles querem que reparemos e esqueçamos que é a nós a quem se nos está querendo afogar; que esqueçamos que estamos condenados a viver tendo que aprender a nos conter ao ver as nossas palavras ir ter a um chão no que está proibida a primavera... que aceitemos i-las vendo quebrar-se e morrerem.
Chegados a este ponto não posso deixar de recomendar a replantação com a semente autóctone, cultivada e fortalecida nas terras vizinhas onde os cravos vermelhos crescem a cada Abril; é só cruzar o rio como se cruza qualquer outro rio do pais, eu cruzo quase a diário o Sar e nem dou por isso... Quando finalmente plantemos os frutos filhos doutros frutos que nasceram dos primeiros da nossa verdadeira primavera, a nossa Terra florescerá.
Concha Rousia nasceu em 1962 em Covas, uma pequena aldeia no sul da Galiza. É psicoterapeuta na comarca de Compostela. No 2004 ganhou o Prémio de Narrativa do Concelho de Marim. Tem publicado poemas e relatos em diversas revistas galegas como Agália ou A Folha da Fouce. Fez parte da equipa fundadora da revista cultural "A Regueifa". Colabora em diversos jornais galegos. O seu primeiro romance As sete fontes, foi publicado em formato e-book pola editora digital portuguesa ArcosOnline. Recentemente, em 2006, ganhou o Certame Literário Feminista do Condado. »